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domingo, outubro 15, 2006

O Atestado médico...

Recebi isto por email.

Leiam este texto escrito por um professor de filosofia que escreve semanalmente para o jornal O Torrejano. Tudo o que ele diz, é tristemente verdadeiro...
O atestado médico por José Ricardo Costa


O atestado médico por José Ricardo Costa

Imagine o meu caro que é professor, que é dia de exame do 12º ano e vai ter de fazer uma vigilância. Continue a imaginar. O despertador avariou durante a noite. Ou fica preso no elevador. Ou o seu filho, já à porta do infantário, vomitou o quente, pastoso, húmido e fétido pequeno-almoço em cima da sua imaculada camisa. Teve, portanto, de faltar à vigilância. Tem falta.Ora esta coisa de um professor ficar com faltas injustificadas é complicada, por isso convém justificá-la. A questão agora é: como justificá-la?
Passemos então à parte divertida. A única justificação para o facto de ficar preso no elevador, do despertador avariar ou de não poder ir para uma sala do exame com a camisa vomitada, ababalhada e malcheirosa, é um atestado médico. Qualquer pessoa com um pouco de bom senso percebe que quem precisa aqui do atestado médico será o despertador ou o elevador. Mas não. Só uma doença poderá justificar sua ausência na sala do exame. Vai ao médico. E, a partir este momento, a situação deixa de ser divertida para passar a ser hilariante. Chega-se ao médico com o ar mais saudável deste mundo. Enfim, com o sorriso de Jorge Gabriel misturado com o ar rosado do Gabriel Alves e a felicidade do padre Melícias. A partir deste momento mágico, gera-se um fenómeno que só pode ser explicado através de noções básicas da psicopatologia da vida quotidiana. Os mesmos que explicam uma hipnose colectiva em Felgueiras, o holocausto nazi ou o sucesso da TVI. O professor sabe que não está doente. O médico sabe que ele não está doente. O presidente do executivo sabe que ele não está doente. O director regional sabe que ele não está doente. O Ministério da Educação sabe que ele não está doente. O próprio legislador, que manda a um professor que fica preso no elevador apresentar um atestado médico, também sabe que o professor não está doente. Ora, num país em que isto acontece, para além do despertador que não toca, do elevador parado e da camisa vomitada, é o próprio país que está doente. Um país assim, onde a mentira é legislada, só pode mesmo ser um país doente. Vamos lá ver, a mentira em si não é patológica. Até pode ser racional, útil e eficaz em certas ocasiões. O que já será patológico é o desejo que temos de sermos enganados ou a capacidade para fingirmos que a mentira é verdade. Lá nesse aspecto somos um bom exemplo do que dizia Goebbels: uma mentira várias vezes repetida transforma-se numa verdade. Já Aristóteles percebia uma coisa muito engraçada: quando vamos ao teatro, vamos com o desejo e uma predisposição para sermos enganados. Mas isso é normal. Sabemos bem, depois de termos chorado baba e ranho a ver o "ET", que este é um boneco e que temos de poupar a baba e o ranho para outras ocasiões. O problema é que em Portugal a ficção se confunde com a realidade. Portugal é ele próprio uma produção fictícia, provavelmente mesmo desde D.Afonso Henriques, que Deus me perdoe. A começar pela política. Os nossos políticos são descaradamente mentirosos. Só que ninguém leva a mal porque já estamos habituados. Aliás, em Portugal é-se penalizado por falar verdade, mesmo que seja por boas razões, o que significa que em Portugal não há boas razões para falar verdade. Se eu, num ambiente formal, disser a uma pessoa que tem uma nódoa na camisa, ela irá levar a mal. Fica ofendida se eu digo isso é para a ajudar, para que possa disfarçar a nódoa e não fazer má figura. Mas ela fica zangada comigo só porque eu vi a nódoa, sabe que eu sei que tem a nódoa e porque assumi perante ela que sei que tem a nódoa e que sei que ela sabe que eu sei. Nós, portugueses, adoramos viver enganados, iludidos e achamos normal que assim seja. Por exemplo, lemos revistas sociais e ficamos derretidos (não falo do cérebro, mas de um plano emocional) ao vermos casais felicíssimos e com vidas de sonho. Pronto, sabemos que aquilo é tudo mentira, que muitos deles divorciam-se ao fim de três meses e que outros vivem um alcoolismo disfarçado. Mas adoramos fingir que aquilo é tudo verdade. Somos pobres, mas vivemos como os alemães e os franceses. Somos ignorantes e culturalmente miseráveis, mas somos doutores e engenheiros. Fazemos malabarismos e contorcionismos financeiros, mas vamos passar férias a Fortaleza. Fazemos estádios caríssimos para dois ou três jogos em 15 dias, temos auto-estradas modernas e europeias, mas para ver passar, a seu lado, entulho, lixo, mato por limpar, eucaliptos, floresta queimada, barracões com chapas de zinco, casas horríveis e fábricas desactivadas.
Portugal mente compulsivamente. Mente perante si próprio e mente perante o mundo. Claro que não é um professor que falta à vigilância de um exame por ficar preso no elevador que precisa de um atestado médico. É Portugal que precisa, antes que comece a vomitar sobre si próprio.

9 comentários:

Anónimo disse...

Olá

Acho que fizeste bem em deixar a tua opinião sobre a cesariana.

Respeito, mas discordo.

Se voltasse atrás, ou mesmo se viesse a ter outro filho, optava na mesma por cesariana sem duvida alguma.

Mas o mundo é assim mesmo, cheio de opiniões diferentes :)

Bjs

Alice+Duarte

Cláudia disse...

Boa, gostei!
Como profesora sei bem do que fala este texto.
Bjs

cloinca disse...

Ester texto está muito bom! Muito mesmo!! Espelha a realidade do nosso país com uma clareza impressionante!
Um beijão para ti Cristina, espero que esteja tudo bem contigo!

. disse...

Está fantástica esta crónica. Muito boa mesmo. E tão verdadeira que até dói. A parte de se penalizar quem diz a verdade, então, é cruelmente verídica. Muitas vezes me pergunto pq se castiga, por exemplo, um membro do Governo que contradiz o Governo... Pergunto-me, reflicto e chego à conclusão: a ditadura ainda reina, a censura está viva, o lápiz azul nunca foi assassinado. E nós estamos, de facto, cada vez mais mentirosos.

Susy disse...

Infelizmente todos sabemos que isso é verdade.... será que ainda vamos conseguir mnudar tudo isto??
Beijinhos

Unknown disse...

Luz de estrelas: pergunto-me o mesmo e não só em relação aos membros do gpoverno mas também aos própios partidos. As coisas continuam mais ou menos igual, mudaram de azul para um azul disfarçado de rosa... (este rosa não tem conotação partidária)
bjs

Mamã: Enquanto houver pessoas que não se deixem anestesiar pelo sistema, eu acredito que iremos conseguir mudar. Há é que fazer por isso e pequeno passo a pequeno passo chegaremos lá um dia.
bjs

Anónimo disse...

Olá Cristina,
Estou com a Alice+Duarte: respeito, mas discordo, porque, parece, é mais fácil adquirir (ou copiar) estilos do que competências de cidadania.
Bjs.

Márcia Pinho disse...

Pois, este Portugal está a ficar mesmo complicado .....às vezes penso, porquê que eu nasci aqui ????

sonho de bebé disse...

É verdade que Portugal está mal, mas ninguém faz nada para sairmos desta situação, só sabemos lamentarmo-nos e dizer que as coisas estão mal e deixamos as coisas passar, somos comodistas.
É triste.
beijinhos